OPINIÃO – Aceleração dos juros ameaça retomada
- Atualizado emNo dia 27 de outubro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) anunciou a elevação da taxa básica de juros, a Selic, em 1,5 p.p. para 7,75%. É o maior patamar desde 2017 e a sexta subida consecutiva em menos de oito meses, período no qual a taxa mais que triplicou desde o piso de 2% em fevereiro. E o BC já sinalizou novo aumento de 1,5 p.p. em dezembro. Agora, o Brasil passa a ter a terceira maior taxa de juros entre os principais países do mundo, atrás somente de Turquia e Argentina.
Esta aceleração do aumento da Selic (de 1 p.p. para 1,5 p.p.) ocorre em um momento delicado da incipiente recuperação econômica. O Índice de Atividade Econômica do Banco Central, IBC-Br, que indica mensalmente as tendências do PIB, está estável desde março e abaixo do patamar pré-pandemia.
Os setores econômicos seguem com dificuldades. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a produção industrial em agosto passado foi 2,9% menor do que a verificada em fevereiro de 2020. Dentre 25 setores industriais, 19 estão com volume de produção inferior ao de antes da pandemia. Em dezembro de 2020,a situação era bem diferente: 17 dos 25 setores industriais exibiam um volume de produção superior ao nível pré-pandemia. Desde então, houve piora dos fundamentos econômicos, com desaceleração da economia internacional, desvalorização cambial e elevação da taxa de juros.
O comércio também sente a frágil retomada. O volume de vendas em agosto recuou 3,1% em relação a julho, e foi 2,8% menor do que o verificado em agosto de 2020.O setor de serviços foi o único que teve crescimento consistente ao longo deste ano, porém esta tendência se deve principalmente à reabertura das atividades, uma vez que o setor foi o maior prejudicado pelas medidas de restrição de circulação.
Infelizmente, este movimento não deve ser duradouro devido ao cenário de deterioração da renda das pessoas. O desemprego segue elevado (13,7%) e quase 60% da renda das famílias está comprometida com dívidas. O emprego formal vem crescendo, mas os salários estão menores do que antes da pandemia.
Este delicado quadro descrito acima deverá ser agravado pela subida dos juros. O mercado já trabalha com a possibilidade de as taxas passarem boa parte de 2022 em dois dígitos. Em seu comunicado, o BC creditou a necessidade de acelerar a elevação da Selic aos “recentes questionamentos em relação ao arcabouço fiscal” que resultariam em mais inflação.
É inegável que há uma pressão inflacionária. Aliás, ela existe no mundo todo, fruto do desarranjo econômico provocado pela pandemia. Os Estados Unidos, por exemplo, deverão fechar o ano com uma inflação entre 4,5% e 5%. No Brasil, o índice oficial acumula alta de 10,34% em doze meses e deve terminar 2021 rondando os 9%.
Mas, como o próprio BC informou, no caso brasileiro a questão fiscal também tem um peso relevante. E toda confusão recente decorre da possibilidade de o governo furar o teto de gastos em R$ 30 bilhões, com a anuência do Congresso, para pagar um Auxílio Brasil de R$ 400.
Não se discute a necessidade de aumentar a renda básica dos menos favorecidos, é imperativo que isso aconteça. Porém, romper o teto de gastos, que tem sido a âncora econômica do país nos últimos anos, não é a melhor alternativa. Diante de um orçamento federal de R$ 1,6 trilhão, R$ 30 bilhões é pouco. Por isso, governo e Congresso precisam trabalhar juntos para encontrar uma saída que contenha os gastos e respeite o equilíbrio das contas públicas.
A tentativa de segurar a inflação apenas pela via monetária, aumentando os juros, pode gerar o pior cenário possível, de estagflação, quando nem a economia cresce, nem a inflação é contida, devido ao descontrole fiscal. Neste caso, atacar o desarranjo das contas públicas é mais saudável para a economia do que subir a Selic em momento de crise.
Por muito tempo, o Brasil conviveu com juros altíssimos que prejudicaram a competitividade do setor produtivo brasileiro, inviabilizaram investimentos e corroeram a capacidade de crescimento e geração de empregos no país.
O aumento abrupto da Selic coloca em risco a importante conquista dos juros baixos, construída ao longo dos últimos anos, e ameaça a já frágil recuperação econômica, pois joga contra a aceleração do crescimento e a redução consistente do desemprego. Esses objetivos devem ser as prioridades do Brasil neste momento.
VANDERMIR FRANCESCONI JÚNIOR é primeiro diretor-secretário da FIESP e do CIESP. Este artigo foi publicado originalmente no Jornal de Jundiaí, em 2/11/21.