OPINIÃO – Por um Enem sem ideologia
- Atualizado emO Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) é a principal porta de entrada dos estudantes brasileiros para o ensino superior. Foi instituído em 1998 com o objetivo de avaliar o desempenho escolar dos alunos ao fim da educação básica. Em 2009, a metodologia do exame foi aperfeiçoada e ele passou a ser utilizado como mecanismo de acesso às universidades.
De responsabilidade do Ministério da Educação (MEC), o Enem é, hoje, utilizado por todas as universidades federais como critério de seleção, bem como por inúmeras faculdades particulares e outras instituições públicas – é aceito, inclusive, em mais de 50 universidades portuguesas. Nesta última edição, quase 3 milhões de pessoas fizeram as provas.
Por sua relevância, é de se esperar que as provas, que são divididas nas áreas de Ciências Humanas, Ciências da Natureza, Linguagens, Matemática, além de redação, sejam irretocáveis. Ou seja, consigam avaliar o conhecimento e as habilidades do candidato levando em conta o raciocínio, a interpretação e o domínio de todo o conteúdo ministrado no Ensino Médio.
Infelizmente, a ideologia está contaminando a prova, o que além de ser inadmissível, prejudica os estudantes. Nesta última edição, questões mal formuladas de Ciências Humanas e Linguagens davam margem a várias interpretações de resposta certa, a depender do ponto de vista do candidato, assim como a seleção de certos textos para embasar as perguntas estava eivada de ideologia.
Tanto que a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) está solicitando a anulação das questões 89, 70 e 71 (números da prova branca) em função de seus enunciados. O texto selecionado para a questão 89 tratou de supostos pontos negativos do agronegócio no cerrado, mencionando, por exemplo, a “superexploração dos trabalhadores” e as “chuvas de veneno” – em referência ao uso de agrotóxicos. O texto escolhido para fundamentar a questão 70 tem como ponto de partida o avanço da cultura da soja relacionando-a ao desmatamento na Amazônia: “É evidente que o crescimento do desmatamento tem a ver também com a expansão da soja…”. Já a questão 71 trata da nova corrida espacial financiada por bilionários, discutindo as perspectivas que ela aponta.
Sobretudo na 89 e na 70, há claro viés contra o agronegócio, setor estratégico que vem puxando o crescimento econômico do país. Para a FPA, houve “negacionismo científico” contra um segmento que garante segurança alimentar ao Brasil e ao mundo. Em nota, a Frente demandou a anulação das questões, cobrou explicações do governo federal e setenciou: “O setor agropecuário representa toda a diversidade da agricultura: pequenos, médios e grandes. Somos um só e não aceitaremos a divisão para estimular conflitos agrários”.
A redação confusa do Enem ficou explícita na questão que menciona duas músicas do cantor e compositor Caetano Veloso, escritas com décadas de diferença, e que pergunta o que as letras têm em comum. Indagado qual seria a resposta certa, nem o próprio autor das canções sabia responder. Disse que, a princípio, todas lhe pareciam corretas.
Nas três edições passadas, houve uma grita de setores da sociedade porque o período da ditadura militar não havia sido abordado no exame, supostamente por orientação do governo federal de turno. O tema retornou nesta edição.
Para os candidatos, que são a parte interessada, a ideologia no exame só atrapalha. Nesses tempos tão polarizados, o Enem não pode ser uma prova que agrade um lado ou outro. Não é este seu objetivo. Os estudantes precisam de um exame bem formulado, com questões claras, que seja capaz de avaliar o conhecimento, o raciocínio e a capacidade de interpretação de cada um – e nada além disso.
Vandermir Francesconi Júnior é 2º vice-presidente do CIESP e 1º diretor secretário da FIESP. O texto foi publicado, originalmente, no Jornal de Jundiaí, na edição de 14/11/23.