A quem interessa arrastar processos? - São Bernardo do Campo

A quem interessa arrastar processos?

Em 2022, o Poder Judiciário Brasileiro recebeu 29,5 milhões de novos casos para analisar e julgar. No ano seguinte, este número foi superado com 2,5 milhões de casos extras. Importante notar que estamos falando apenas de casos novos. Quando pensamos no todo, o volume é muito maior: são 60 milhões de processos em tramitação na primeira instância e outros 40 milhões em execução.

Quem já precisou acionar a Justiça brasileira algum dia sabe da morosidade que isso representa. Ações que envolvem litígios entre empresas, por exemplo, têm frequentemente como resultado o sucateamento de bens, a perda de valor econômico do patrimônio ou a impossibilidade de encontrar posses do devedor executado. Quando os conflitos envolvem obras públicas o impacto da judicialização é altamente negativo para a sociedade, causando o embargo de projetos de interesse público por longos períodos de tempo.

É preciso entender que acesso à Justiça pode ser feito por múltiplos meios, não apenas acionando o Poder Judiciário.

As Câmaras de Mediação e Arbitragem são alternativas disponíveis para toda a sociedade e podem ajudar a aliviar a sobrecarga do Judiciário Brasileiro, por fomentar resoluções consensuais, além de fornecer serviços com celeridade e especialização para a resolução dos litígios. Ou seja, as partes podem escolher resolver seus problemas em âmbito privado, fora da Justiça estatal.

Ressalte-se que a Lei de Arbitragem (Lei 9.306) está em vigor desde 1996 e a Lei de Mediação (Lei 13.140) desde 2015. Portanto, as soluções oferecidas por esses métodos contam com total segurança jurídica e podem melhorar o ambiente de negócios, ao possibilitar uma gestão mais eficiente e racional dos riscos jurídicos envolvidos em contratos empresariais. Isso inevitavelmente acaba atraindo mais investimentos internacionais ao país.

Na arbitragem, por exemplo, as partes escolhem uma ou três pessoas, especialistas no tema, para solucionarem os conflitos. Os membros do Tribunal Arbitral podem ser advogados, engenheiros, contadores, entre outros profissionais com a expertise necessária para a melhor avaliação das questões.

Por ser mais flexível, na arbitragem as partes também escolhem as regras procedimentais que serão aplicáveis ao caso concreto, convencionando os prazos de manifestação, tipos de provas a serem produzidas e a melhor agenda para reunião de todos os envolvidos, sempre que for necessário.

Embora tenha natureza privada, as sentenças proferidas em arbitragem são equiparadas por força de lei às sentenças judiciais, sendo desnecessário homologar posteriormente essa decisão, pois a sentença arbitral é um título executivo judicial e, se necessário, pode ser executada.

Contudo, diferentemente do Judiciário, onde é possível recorrer em até quatro instâncias, a arbitragem não permite recursos. Isso significa poupar meses, anos, onerosidade e custos.

Outro ponto importante de se esclarecer e que os árbitros são equiparáveis ao funcionário público no âmbito penal, o que demonstra a seriedade do exercício desta função. Além disso, as principais Câmaras e Centros de mediação e arbitragem brasileiros possuem rigorosos Códigos de Ética e exigem dos profissionais a assinatura de um termo pelo qual eles se comprometem a ser e se manter independentes, competentes, diligentes e discretos durante todo o andamento do procedimento.

A escolha do árbitro é exercida pelas partes com liberdade e antes que a análise seja iniciada. Mas é necessário ressaltar que o árbitro, embora seja escolhido pelas partes, não as representa. Os profissionais são imparciais e detém a confiança das partes no que tange a sua capacidade técnica de bem atuar para dirimir os conflitos.

A mediação é ainda mais simples. As partes interessadas em uma tentativa amigável de composição escolhem conjuntamente um profissional que as apoiará na construção do diálogo, para que possam sugerir soluções para os problemas em discussão. São realizadas reuniões em conjunto ou separadamente com os envolvidos, para que possam se manifestar em um ambiente discreto e seguro, facilitando a retomada das relações. Assim, na mediação não há surpresas, pois as partes são as protagonistas da resolução de suas disputas.

É importante dizer que as empresas são livres para adotar ou não a mediação e arbitragem em seus contratos, o que acontece por meio de cláusulas especialmente pactuadas para esta finalidade.

Não obstante todas as qualidades mencionadas, assim como acontece com a Justiça comum, nem sempre as partes ficam satisfeitas com o resultado final da disputa. É comum quem perde em uma Arbitragem sair tecendo críticas infundadas ao sistema como um todo, ainda que este seja reconhecido e respeitado por todas as esferas do próprio Judiciário. O fato é que o mundo todo aderiu à Arbitragem por ser o melhor método de resolução de disputas para o fomento de investimentos e para o comércio internacional. O uso da Mediação também cresce a passos largos. É um caminho sem volta.

O Brasil não deveria ficar preso a arcaísmos ou caprichos. É preciso mais esclarecimento, transparência e menos desinformação. É necessário amadurecimento e boa fé. Vale a pena nos perguntarmos sempre: afinal, a quem interessa arrastar processos por anos nos tribunais de Justiça do país?

Sydney Sanches é presidente da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Ciesp/Fiesp, ministro aposentado e ex-presidente, ex-presidente do Supremo Tribunal Federal