Sinal amarelo para os empregos e os investimentos do setor automotivo no Brasil
- Atualizado emRafael Cervone*
08/10/2024 – A Câmara de Comércio Exterior (Camex) deve apreciar a qualquer momento um pleito que beneficia a importação de veículos eletrificados. A proposta busca reduzir temporariamente o Imposto de Importação de 35% para 20%, além de incluir o produto na Lista de Exceções à Tarifa Externa Comum (Letec) do Mercado Comum do Sul (Mercosul).
O pleito é bastante problemático, por duas razões. A primeira refere-se a um vício jurídico de origem, uma vez que o produto não pode ser incluído em uma lista que regula as exceções tarifárias do bloco econômico, já que o setor automotivo não faz parte do acordo do Mercosul. Tal entendimento foi formalizado por parecer da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) de junho de 2021. A segunda, e mais importante razão, diz respeito ao efeito nocivo que o pleito tem sobre o desenvolvimento nacional de tecnologias para a descarbonização da frota.
As atuais condições de importação já transformaram o Brasil em um dos principais importadores de automóveis elétricos no mundo, especialmente de origem chinesa. Os desembarques, entre janeiro e setembro de 2024, são quatro vezes maiores que o registado no mesmo período de 2023. Já em valores, a entrada de veículos eletrificados da China somou US$ 1,5 bilhão nos últimos 12 meses terminados em setembro.
A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) estimou que, alavancada pelos elétricos, a participação dos estrangeiros no mercado local deve dobrar e chegar a 20% em 2024. Tal desempenho não pode ser atribuído aos diferenciais de produtividade ou às mudanças de preferência dos consumidores, fatores comuns ao funcionamento de uma economia de mercado. Infelizmente, a principal vantagem competitiva dos veículos chineses é o preço baixo resultante, dentre outros aspectos, de subsídios governamentais.
A expansão global dos elétricos chineses motivou a Comissão Europeia a iniciar uma investigação quanto aos subsídios concedidos ao setor. O processo em curso classifica o movimento como “inaceitável prática predatória, que está distorcendo o mercado”. Canadá, Estados Unidos e Turquia também adotaram medidas restritivas às importações de eletrificados da China, incluindo a majoração tarifária. Assim, espera-se que a Camex considere o posicionamento de parceiros globais estratégicos em seu exame do pleito para redução tarifária no Brasil.
A proposta sob análise da Camex compromete investimentos de mais de R$ 40 bilhões programados pelo setor até 2032, com uma parcela significativa já em fase de desembolso. Tal programa tem o objetivo não apenas de expandir a capacidade produtiva e o número de empregos diretos, como também posicionar o setor para a transição sustentável da descarbonização da frota. Não bastante, a proposta ainda fere diretamente a fabricação nacional e regional de veículos similares de até cinco toneladas, incluindo elétricos, híbridos plug-in e combustão.
Assim, a anuência a qualquer redução tarifária para veículos fabricados no exterior, nas condições atuais de concorrência internacional, é inoportuna. As montadoras brasileiras são pioneiras na oferta de uma ampla gama de soluções tecnológicas de descarbonização e são exemplos para o mundo no enfrentamento dos desafios globais do clima.
Temos uma cesta de alternativas no Brasil, em que brilham os biocombustíveis, os híbridos e onde os veículos 100% elétricos também devem assegurar o seu espaço de desenvolvimento e crescimento, preponderantemente pela via da produção nacional.
*Rafael Cervone é presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e primeiro vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).
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