Responsabilidade Social Empresarial
- Atualizado em* Vitor Seravalli
Pesquisas recentes mostram que as empresas identificam cada vez mais a Responsabilidade Social Empresarial em sua lista de prioridades, principalmente aquelas que já entenderam o cenário social onde estão inseridas. Por outro lado, é evidente a pouca conscientização sobre o tema, especialmente entre as médias e pequenas empresas.
Definitivamente, as empresas têm um longo caminho a percorrer com relação ao entendimento de seu papel na sociedade. Nesse contexto, dada a relevância e a complexidade socioambiental dos países que compõe o Mercosul, e o grande potencial das empresas nele instaladas, somente a ação de algumas empresas não será suficiente para definir políticas de atuação social, numa visão de longo prazo, para consolidação de uma sociedade sustentável que proporcione qualidade de vida a todos os seus membros. Para atingir estes objetivos será necessária uma ação mais integrada, o estabelecimento de uma rede a ser composta pelas empresas, pelos governos, e pelas organizações da sociedade civil.
Para uma melhor compreensão deste quadro, apresentamos alguns aspectos do processo de evolução histórica deste cenário social que não pode mais abrir mão da contribuição do setor privado.
Ao analisarmos o desenvolvimento histórico do que hoje conhecemos como Terceiro Setor, deparamo-nos com uma variedade de tipos de organizações, classificadas como: tradicionais, religiosas e leigas; não-governamentais e paraestatais; associativas e de iniciativa empresarial, cada uma com uma função definida na sociedade.
No passado, a vida social ocorria nos espaços das escolas, das dioceses, das ordens e paróquias. Neste contexto, as Irmandades de Misericórdia, responsáveis pelas Santas Casas, podem ser consideradas como as primeiras organizações do Terceiro Setor do Brasil. A partir da década de 1930, o Estado brasileiro procurou mediar o espaço público e os interesses organizados, através de uma ação descrita como “cidadania regulada”. Nesta nova ordenação, as entidades associativas foram substituídas por sindicatos e organizações classistas, fortemente controladas pelo Estado.
As ONG’s (Organizações Não-Governamentais) têm uma origem bem mais recente. Apareceram nos últimos trinta anos, nos movimentos populares fora do controle do Estado, muitas vezes como uma expressão de resistência à ditadura militar e seus métodos de repressão. Esses movimentos mostraram-se eficazes em conquistas nos mais diversos campos; desde a defesa dos direitos humanos e o aperfeiçoamento das políticas sociais de saúde e educação, até a própria Constituição de 1988, denominada “Constituição cidadã” (referência 1). Por outro lado, as iniciativas empresariais no Terceiro Setor ainda constituem um campo de atividade incipiente, embora estejam gradualmente evoluindo e ganhando em importância.
Analisando o posicionamento dos empresários com relação ao tema Responsabilidade Social, observa-se ainda uma atitude nitidamente assistencialista, ou seja, as iniciativas não são regulares e organizadas, representando apenas respostas a eventuais demandas. Este tipo de ação comumente não envolve qualquer tipo de planejamento, avaliação de impacto, ou mesmo a preocupação com a sua perenidade e sustentabilidade. Refiro-me ao conhecido “dar o peixe”. É o atendimento de algum pedido, que benevolentemente se atende; satisfação momentânea. Existe ainda uma variante mais perniciosa, denominada popularmente de “pilantrópica”. Aplica-se àqueles que além de somente dar o descompromissado “peixe”, ainda tentam se promover; “acendem os holofotes”, chamam a imprensa e tiram o máximo proveito dessa ação. Felizmente, nossa experiência nos diz que um número grande de líderes empresariais já compreendeu corretamente o conceito de Responsabilidade Social. Se, por outro lado, ainda existem empresários que optam por um caminho inadequado, estes o fazem por desconhecimento ou informação inadequada.
Isto posto, gostaria de abordar alguns temas bastante discutidos no setor empresarial. Não farei uma análise técnica, pois este não parece ser o ponto crucial. Pretendo apresentar uma abordagem baseada na vivência que tenho do assunto, bastante prática, e que possa contribuir para um processo de reflexão sobre o tema. Por outro lado, para que também não fique sem os fundamentos teóricos, citarei algumas definições de um documento bastante útil, desenvolvido pela Fundação Semear (www.fundacaosemear.org.br)
Quando temos uma meta em vista, devemos primeiramente identificar quais dos nossos interlocutores são realmente importantes, e quais podem ter influência sobre os rumos da nossa empresa, positivamente ou negativamente. Estes agentes, também conhecidos como “partes interessadas” (no inglês stakeholders) são: os nossos funcionários, a comunidade que nos rodeia, os fornecedores que nos entregam materiais ou serviços, os nossos inevitáveis e exigentes clientes, o governo, os sindicatos, as ONG’s e nossos acionistas; enfim, todos esses grupos de influência que atuam sobre nossa empresa. Em nossa empresa é fundamental compreendermos que tudo o que fizermos no cumprimento de nossa missão, deve estar alinhado com as necessidades das partes interessadas. Esse tipo de posicionamento estratégico por parte da empresa é denominado “co-responsabilidade com a sociedade” e passa a integrar o processo de planejamento em empresas que ocupam posição de liderança em sustentabilidade. Esta estratégia será implementada, considerando a premissa essencial de que a empresa deve ser ao mesmo tempo sustentável e dar lucro. Não há vantagem alguma, se uma empresa se ocupa com os problemas sociais de sua comunidade, mas ao mesmo apresenta prejuízo financeiro. Isto evidentemente seria uma situação insustentável, uma falsa versão do conceito de Responsabilidade Social.
Incentivos
Alguns incentivos fiscais que podem ser utilizados pelas empresas na área social são:
– Dedução de valores investidos em projetos de produções audiovisuais através da Lei 8.685/93 e projetos culturais pela Lei Rouanet de Incentivo à Cultura, Lei 8.313/91, que podem ser deduzidos integralmente como despesas operacionais e ainda, novamente, no Imposto de Renda (IR) (30 a 40% do valor investido), respeitando o limite de 4% do IR a pagar. Em grande parte das capitais, leis de incentivo à cultura permitem deduzir do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) parte dos valores doados.
– Fundo da Criança e do Adolescente: empresas tributadas pelo regime de lucro real podem efetuar doações ao Fundo. Estas deduções podem ser deduzidas no limite de 1% do IR devido, para execução de políticas de proteção especial, mediante repasse a programas de entidades governamentais e ONG’s. Vale observar que, se uma empresa de um determinado município investe no Conselho Gestor deste fundo, é razoável esperar que esta acompanhe as ações e os projetos que são implementados pelo mesmo. O foco de qualquer investimento social deve estar sempre atrelado a resultados. Infelizmente, as empresas conhecem muito pouco em relação a este incentivo e a maioria das que investem, quase nunca acompanham os resultados. Há estudos em andamento para que esse incentivo também seja disponibilizado a empresas tributadas pelo lucro presumido. Todavia, estes estudos ainda não estão concluídos.
– O governo federal autoriza empresas tributadas em lucro real a deduzirem, como despesa operacional, doações de até 2% do lucro operacional bruto, para entidades sem fins lucrativos e qualificadas como OSCIPS – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, Lei 9.790/99 ou entidades declaradas de Utilidade Pública Federal pela Lei 91/35. (GIFE 2002)
Os poucos incentivos fiscais existentes até o momento devem ser utilizados da melhor maneira possível pelas empresas. Todavia, as ações sociais das empresas não devem se restringir somente aos investimentos incentivados.
As Normas SA 8000, ISO 14000, e a futura ISO 26000
Um tema que gera muitas dúvidas na área de Responsabilidade Social é o dos sistemas de gerenciamento, definidos por algumas normas técnicas. As mais conhecidas são a Norma SA 8000 de Responsabilidade Social e a Norma ISO 14000 de Gerenciamento Ambiental.
Quanto à norma ambiental, as empresas costumam ficar na dúvida se há ou não necessidade de obter-se a certificação. Um aspecto negativo deste processo é que na maioria das vezes a pressão pela certificação não é resultado de um amadurecimento interno dos valores da própria organização, seguido de uma escolha consciente. A certificação, nestes casos, é almejada apenas para atender demandas momentâneas da empresa.
Quando se fala em números de certificações na norma ISO 14000, as grandes corporações estão, sem dúvida, na dianteira. A pressão dos órgãos ambientais, os riscos de interrupção da operação com perda de vendas e as indesejáveis multas, levaram as empresas mais organizadas a optar pela implantação definitiva do sistema. Contudo, as pequenas empresas, ainda que sob a mesma pressão, geralmente não se decidem pela certificação. Fator indutor de certificações entre pequenas empresas ocorre quando empresas maiores assumem um papel pró-ativo, investindo na capacitação de empresas menores, normalmente seus fornecedores. Com a obtenção da certificação, as pequenas empresas tornam-se melhores e mais competitivas no atendimento de seus grandes clientes.
A norma SA 8000 é por enquanto a única norma de Responsabilidade Social de abrangência internacional. A norma representa o exercício da RSE (Responsabilidade Social Empresarial) interna, ou seja, tem um foco claramente direcionado para seu público interno (colaboradores). Sendo assim, embora a obtenção da certificação nessa norma não implique na existência de uma visão empresarial socialmente completa, pois seu foco se direciona somente para o interior da empresa, trata-se de um passo indubitavelmente importante.
Há trabalhos consistentes em andamento para o desenvolvimento da norma ISO 26000 sobre Responsabilidade Social, e o Brasil têm tido participação muito importante na elaboração desta norma, cujo prazo de encerramento dos trabalhos está prevista para dezembro de 2008.
Enfim, os sistemas gerenciais em geral, quando implementados de forma integrada e plena, certamente trarão bons resultados, representando um bom investimento. Caso a empresa ainda não disponha desta visão sistêmica, deve repensar as raízes do negócio, seus valores, seus objetivos, sua missão e sua visão. Somente depois desta etapa de reavaliação, pode a empresa concentrar-se na certificação.
Ainda há muito por discorrer sobre este tema e neste breve artigo não poderia fazê-lo exaustivamente. Todavia, gostaria de mencionar ainda duas iniciativas da Organização das Nações Unidas, que considero de grande importância para os empresários em geral e para toda a sociedade. São compromissos e objetivos que, se aplicados corretamente, colocarão as empresas definitivamente no contexto da sustentabilidade; econômica, social e ambiental.
Global Compact ou Pacto Global
Uma das iniciativas é o Global Compact ou Pacto Global, resultado de um convite efetuado ao setor privado pelo Secretário Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, para que juntamente com algumas agências das Nações Unidas e atores sociais, contribua para avançar a prática da responsabilidade social corporativa, buscando uma economia global mais sustentável e inclusiva. O Pacto Global advoga dez Princípios universais, derivados da Declaração Universal de Direitos Humanos, da Declaração da Organização Internacional do Trabalho sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. São eles:
1. Respeitar e proteger os direitos humanos;
2. Impedir violações de direitos humanos;
3. Apoiar a liberdade de associação no trabalho;
4. Abolir o trabalho forçado;
5. Abolir o trabalho infantil;
6. Eliminar a discriminação no ambiente de trabalho;
7. Apoiar uma abordagem preventiva aos desafios ambientais;
8. Promover a responsabilidade ambiental;
9. Encorajar tecnologias que não agridem o meio ambiente;
10. Combater a corrupção em todas as suas formas inclusive extorsão e propina.
Uma organização que queira se engajar no Pacto Global pode fazê-lo enviando uma carta do principal executivo endereçada ao Secretário-Geral das Nações Unidas, expressando seu apoio à iniciativa Pacto Global e a seus 10 Princípios, bem como o compromisso em desenvolver as ações citadas anteriormente.
Para maiores detalhes: www.pactoglobal.org.br
Objetivos do Milênio
A segunda iniciativa na ONU no campo da Responsabilidade Social Corporativa trata dos “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio”. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (MDM) surgem da Declaração do Milênio das Nações Unidas, adotada pelos 189 estados membros no dia 8 de setembro de 2000 e que se pretende alcançar até 2015.
Os Oito Objetivos são:
1. Acabar com a fome e a miséria
2. Educação de qualidade para todos
3. Igualdade entre sexos e valorização da mulher
4. Reduzir a mortalidade infantil
5. Melhorar a saúde das gestantes
6. Combater a Aids, a malária e outras doenças.
7. Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente
8. Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento
(Para maiores detalhes www.pnud.org.br)
Há um consenso mundial de que sem a participação efetiva do setor empresarial, os objetivos não poderão ser alcançados, o que colocará a sobrevivência de nosso planeta em xeque. Por isso, a sustentabilidade global exige mudanças no comportamento de todos. A busca do entendimento de toda a comunidade empresarial sobre o que é o desenvolvimento sustentável deverá ser o grande desafio de todos os verdadeiros líderes.
* Vitor Seravalli é diretor de Responsabilidade Social do CIESP
Referências:
1. O desafio da colaboração: práticas de responsabilidade entre empresas e terceiro setor, Capítulo 2, FISCHER, Rosa Maria; São Paulo: Gente, 2002.
2. Cartilha Responsabilidade Social: Um Panorama Empresarial – Fundação Semear
3. Sites: www.pactoglobal.org.br, www.pnud.org.br, www.ethos.org.br, e www.gife.org.br/