O Supremo Tribunal Federal começou a julgar duas ações que questionam o tratamento de dados pessoais dos cidadãos por parte do governo federal.
- Atualizado emO alvo da ADI 6649 e da ADPF 695 é o mesmo: o decreto presidencial 10.046/19, que criou o ‘Cadastro Base do Cidadão’.
Esse ‘Cadastrão’ consiste, na prática, de garantir o cruzamento de informações entre as bases de dados custodiadas pelo poder público. O Estado, afinal, é o grande repositório de dados sobre todos os cidadãos. E faz muito sentido que a moderna gestão ganhe eficiência com o uso dessas informações.
Como apontam as autoras das duas ações, o Conselho Federal da OAB e o Partido Socialista Brasileiro, o uso de dados pelo governo é imprescindível e até desejável. Mas o Estado também precisa respeitar os princípios de proteção de dados, não apenas previsto em Lei, mas um direito constitucional. As ações sustentam que o Cadastrão falha ao não garantir transparência e finalidade.
“O decreto desarma um conjunto de garantias necessária para o exercício de cidadania em uma sociedade avida pela informação. Garantias essas que foram duramente conquistadas e consolidadas no direito constitucional à proteção de dados e pela LGPD.
Esse compartilhamento, imprescindível para eficácia de mais modernos métodos de gestão, acaba por se converter em fator de insegurança, ilegalidade, e alijar cidadão do controle e da ciência mesmo sobre a utilização de seus dados pelo poder público”, afirmou o representante da OAB, o advogado e professor Danilo Doneda, ao abrir as sustentações orais no STF.
“O que está em jogo hoje é assegurar que a modernização da administração pública, através de gestão e planejamento que faça uso de informações, venha acompanhada de garantias contra os riscos ao cidadão, derivados do tratamento de seus dados pessoais.
O que está em jogo é garantir que os custos dessa modernização não recaiam contra o cidadão, que tem direito de continuar confiando no Estado como depositário de seus dados pessoais”, completou.
Representante do PSB, o advogado Ivo da Motta Correa, lembrou do acordo firmado entre Abin e Denatran, pela qual a base de dados das carteiras de motorista, custodiada pelo Serpro, seria compartilhada com a agência de inteligência, medida logo revogada pelo próprio governo.
“Não se questiona compartilhamento de dados para politicas públicas, desde que ocorra em respeito aos princípios constitucionais. O uso pela Abin, por exemplo, seria muito distinto da finalidade de coleta pelos Detrans.”
Como defendido no Supremo, haveria maneiras de sanar os pontos apontados como deficientes no decreto presidencial: a efetiva verificação de compatibilidade de finalidade, avaliação de risco, e mesmo a criação de plataformas que promovam transparência para o cidadão em relação ao uso de seus dados, bem como instrumentos de controle para exercício de direitos e escolhas relevantes.