A insensata troca de progresso por juros

A insensata troca de progresso por juros

Os juros elevados têm sido um obstáculo ao fomento da indústria brasileira, contradizendo a lógica mundial referente ao papel do setor no progresso das nações. Distintos estudos demonstram que somente as economias que promoveram forte desenvolvimento manufatureiro conseguiram crescer de modo sustentado mais de 3% ao ano. Afinal, a atividade é geradora intensiva de empregos, paga os salários médios mais elevados, cria e provê tecnologia e exporta bens de alto valor agregado.

Ademais, considerando que a grande maioria dos itens de consumo nasce no chão de fábrica, os ganhos de competitividade em termos de crédito com juros menores e menos impostos proporcionariam oferta maior para o mercado interno, com menor pressão inflacionária. Também haveria mais excedentes exportáveis.

Parte dos ônus que ferem a manufatura está sendo equacionada, com a reforma tributária aprovada na Câmara dos Deputados, que reduz a assimetria da taxação, prejudicial ao setor, e o programa de neoindustrialização do governo, que já soma R$ 106 bilhões, incluindo recursos para produção e inovação. Porém, sem desconsiderar a necessidade da reforma administrativa, mais segurança jurídica e pública e melhor infraestrutura, fatores impactantes do “Custo Brasil”, é crucial solução urgente para o gargalo dos juros.

Os danos do problema são demonstrados em estudo do Departamento de Competitividade e Tecnologia (Decomtec) da Fiesp: se tivéssemos os mesmos juros reais da África do Sul, Chile, Indonésia e México, países emergentes nos quais as taxas já são bastante altas, o custo de financiamento do capital de giro da indústria brasileira, de R$ 71,5 bilhões em 2022, cairia para R$ 37,6 bilhões. Os R$ 33,9 bilhões de diferença correspondem a quase 98% dos gastos com atividades internas de pesquisa e desenvolvimento. Ou seja, poderíamos praticamente duplicar o aporte de recursos nessas rubricas se não fôssemos agredidos por um custo de dinheiro que flerta com agiotagem.

Para pessoas físicas, os juros referentes ao crédito somaram R$ 46,7 bilhões, mas se tivéssemos a mesma taxa média dos países citados, seriam de R$ 15,6 bilhões, ou R$ 31,1 bilhões a menos. A demanda de consumo resultante dessa diferença geraria 123,5 mil postos de trabalho nas fábricas.

A soma dos valores dos juros pagos a maior pela indústria e as famílias alcançou R$ 65 bilhões em 2022. Para dimensionar o que isso significa em termos práticos, fiz uma comparação interessante, para não dizer assustadora: o montante é equivalente ao orçamento do Governo do Rio Grande do Sul no ano passado, o sexto do País, atrás apenas da União, estados de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro e a prefeitura paulistana.

Esse é o resultado absurdo da Selic média nominal de 12,63% em 2022, mais spread de 3,1% para indústrias de grande porte, 10% para as pequenas e médias e 39,6% para pessoas físicas. É uma distorção prejudicial a investimentos decisivos para a competitividade do Brasil. Não podemos continuar preterindo desenvolvimento e beneficiando o aluguel de dinheiro.

Rafael Cervone, engenheiro e empresário, é o presidente do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp).