Atenção à Primeira Infância é essencial para consolidar futuro promissor para as crianças e o país
- Atualizado emSolange Sólon Borges, Agência Indusnet Fiesp
O Conselho Superior de Responsabilidade Social (Consocial) da Fiesp escolheu como tema de debate a insegurança alimentar para encerrar suas atividades deste ano, nesta quinta-feira (2/12), de forma híbrida, virtual e presencial. Para o presidente do Consocial, Raul Cutait, a insegurança alimentar alcança metade da população brasileira e se agravou pela pobreza gerada durante a pandemia, um problema que pode se agravar em 2022, em função da inflação que afeta o mundo e pela disrupção ocorrida na cadeia produtiva. Nesse sentido, é importante entender, de forma propositiva, quais os esforços que a indústria e sociedade civil podem empreender a fim de combater esse mal com reflexos especialmente na Primeira Infância [os primeiros cinco anos de vida de um ser humano, com repercussão em seu processo de desenvolvimento]. “A fome é indigna”, enfatizou.
Grácia Fragalá, vice-presidente do Consocial e à frente do Comitê de Responsabilidade (Cores) da Fiesp, pegou esse gancho e frisou a necessidade de se ter acesso permanente e regular ao alimento, uma garantia de vida saudável. “As pessoas substituem alimentos de melhor qualidade nutricional por outros que não têm a mesma condição”, pontuou, ao lembrar que assim se aprofunda a desigualdade social para pessoas que terão sequelas para o resto da vida, com impacto na aprendizagem e na obtenção e manutenção de empregos de qualidade.
“Trazer este debate para a casa faz todo o sentido, pois se pode unir aqui todas as pontas que têm relação com a indústria, que se prepara para a indústria 4.0 e que depende do cérebro. É também uma questão de negócio. Olhar o ponto de vista humanitário e também como empresários, pois estamos pensando em negócios sustentáveis e perenes, com pessoas que gerem conhecimento, inovação, produtividade e competitividade a fim de manter a dignidade de um cidadão produtivo”, contextualizou a diretora. Fragalá lembrou que a erradicação da fome está contemplada no ODS n. 2 (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável) e é possível articular a Fiesp, o Ciesp e a cadeia produtiva do agronegócio, por exemplo, a favor da Primeira Infância, sendo a indústria protagonista a fim de deixar um legado.
O expositor Mauro Fisberg, professor associado da Escola Paulista de Medicina (Unifesp-Centro de Excelência em Nutrição e Dificuldades Alimentares (Cenda) do Instituto Pensi-Pesquisa e Ensino em Educação Infantil, é preciso “sair do diagnóstico apenas e fazer algo propositivo”. Indicadores sociais da Agência IBGE apontam que, em 2019, e a população negra e parda é a mais afetada. Ele observou que há características importantes, levantadas nos últimos trinta anos, da nossa população: crianças com baixo peso de nascimento, permanência no quadro de desnutrição, baixa estatura que afeta 14% delas, desnutrição silenciosa ou fome oculta devido à carência de vitaminas e minerais (anemia ferropriva), que acarretará impacto na memória, na condição intelectual e no número de absenteísmo e acidentes de trabalho a longo prazo. E, ainda, aumento dos índices de excesso de peso e sedentarismo de quem sofreu com restrição alimentar. Fisberg questionou como controlar e avaliar a distribuição de renda-alimentos bem como o acesso à educação e saúde.
O docente elencou as conquistas dos últimos anos que levaram a mudanças nos indicadores de desenvolvimento infantil e redução da mortalidade – aumento da cobertura vacinal, ampliação do acesso a serviços de saúde e diminuição na prevalência de desnutrição -, mas, mesmo assim, poucas crianças usufruem de três refeições diárias: 23% da população infantil seguem tendo apenas uma alimentação diária.
Ele indicou como condição essencial a mudança desse quadro, a qualidade e frequência do acompanhamento pré-natal, a duração do alimento materno, pois “somos campeões mundiais de alimentação inadequada nos primeiros anos de vida”. A alimentação complementar da criança brasileira é marcada pela ingestão precoce e elevada de ingestão de leite de vaca in natura, em substituição ou complemento ao leite materno, adição de açúcar, doces e biscoitos e alimentos altamente calóricos, mas pobres em termos nutricionais, conforme apontou.
O sobrepeso e a obesidade afetam quase 6% das crianças com menos de 6 anos, com tendência de alta e cada vez mais precoce com impacto certo no futuro. O Brasil lidera esse índice na América Latina, alertou Fisberg. O aumento de peso na população residente nas regiões mais pobres do país – Norte, Nordeste e Centro-Oeste – indica a baixa qualidade nos primeiros anos de vida, de acordo com o expositor.
Como alternativa, o professor tratou da tríade clássica: aleitamento materno, cuidados ao longo da gestação e boa alimentação complementar da criança. A equação passa pela busca de soluções em função da extensão continental do Brasil e seus diferentes contextos regionais, culturais e sociais. Entre os desafios apontados, dificuldade na execução de programas generalizados, custo operacional e profissional extenso, tempo elevado necessário para aplicação, acompanhamento e avaliação das ações encetadas.
Sugestões
Uma possibilidade é a criação de pequenos “centros sentinela” regionalizados de intervenção, atuando na puericultura e pediatria, e ligados a outros serviços de saúde, universidades ou cidades, em diferentes regiões, uma forma de facilitar e promover o conhecimento com poucos recursos, bem como a formação estratégica de profissionais voltados à saúde da família, com vistas à redução da desigualdade e melhoria na qualidade da dieta alimentar. Esses centros espalhados pelo país, proposta apresentada pelo professor da Unifesp, fariam a coleta e sistematização de dados para um núcleo central. Assim, as ações seriam direcionadas e localizadas, acompanhadas a distância e os resultados poderiam ser mensurados. O processo contaria com o apoio de universidades, o empoderamento e participação ativa de gestores, além do engajamento da comunidade. Esse processo contaria com a necessária harmonia entre governos, indústria, academia e sociedade, além do apoio de jornalistas e de entidades de fomento.
No debate, Raul Cutait enfatizou o quanto é gratificante cuidar de crianças e que não existe saída [para a questão da Primeira Infância] sem o envolvimento da sociedade civil e que falta uma política pública macro sobre insegurança alimentar, com mecanismos de avaliação e esses movimentos dependem de logística, com políticas abrangentes, além de incentivos, afirmou, e que “o Brasil não é igualzinho em todos os lugares e precisa de propostas diferentes.
Já o integrante do Consocial, Marcos Kisil, lembrou que segurança alimentar e a saúde da família não podem ser temas periféricos nas escolas de Medicina, pois a má formação terá repercussões na prática, no futuro, e apontou o equacionamento de cestas básicas entregues às famílias, quantas crianças as compõem, e considerar as necessidades da Primeira Infância.
Case Sesi-SP para as crianças
Fernanda Ribeiro Botelho dos Santos, especialista em Nutrição do Sesi-SP, abordou a questão da alimentação saudável oferecida aos alunos das Escolas do Ensino Fundamental do sistema no Estado. Nas 138 unidades são oferecidas 140 mil refeições/dia para estudantes em período integral e parcial, obedecendo às boas práticas de manipulação e com atenção às necessidades nutricionais, hábitos regionais e perfil dos estudantes.
A Educação Alimentar e Nutricional (EAN) contribui para a formação de bons hábitos alimentares, autonomia dos alunos para que façam melhores escolhas, além de dividir esse conhecimento no ambiente familiar. Santos citou o caso de Limeira, pois nessa unidade a alimentação está inserida no currículo, como um componente, e se trabalha com diversos vetores, como aprender a lidar com o sistema monetário, com a prática em um ‘mercadinho’, com foco em uma aprendizagem mais significativa. Também se trabalha com a questão do desperdício e há envolvimento com a horta escolar, ações que vão do plantio ao preparo, contato com o meio ambiente e o desenvolvimento de responsabilidades. Assim, quebram-se barreiras em relação a alimentos que não eram ‘aceitos’ por alguns alunos e eles podem consumir, na escola, o que plantam. Há também a participação das famílias no âmbito da pesquisa e elaboração de receitas, além de oficina culinária, um exercício sensorial e afetivo.
Outro ponto forte citado pela especialista é o desenvolvimento da atenção plena, comer com atenção plena, inclusive, o que ajuda no desenvolvimento do equilíbrio emocional, da empatia, da compaixão, e até na percepção dos sinais de fome e saciedade a fim de se evitar exageros.
Por fim, Fernanda Ribeiro Botelho dos Santos citou a campanha do Sesi-SP, durante a pandemia, que alcançou 107 municípios. Quase dez milhões de refeições foram distribuídas em parceria com ONGS, além da campanha Doe alimentos, que socorreu àqueles que se encontravam em situação de vulnerabilidade. Houve a doação de 394 toneladas de alimentos.