Para Werlang, espaço pequeno para aumento da carga tributária eleva a importância de se respeitar o teto de gastos
- Atualizado emAlex de Souza, Agência Indusnet Fiesp
Flertar com a ideia de ultrapassar o teto constitucional de gastos é algo perigoso, segundo o prof. Sérgio Werlang, da FGV, pois pode causar instabilidades e incertezas. O doutor em economia foi o convidado especial para a reunião mensal do Conselho Superior de Economia (Cosec) da Fiesp, presidida pelo conselheiro Andréa Calabi e realizada por videoconferência na manhã da terça-feira (17/11).
Werlang vê com preocupação o não cumprimento do teto de gastos e alertou sobre o perigo de tornar a lei sem efeito. “Só o fato de ser uma emenda constitucional não assegura nada. Não basta estar escrita, deve-se cumprir. A Lei de Responsabilidade Fiscal se tornou inócua devido a indefinições que permitiram aos Tribunais de Contas Estaduais o estabelecimento de seus próprios critérios. E por má definição da lei, o teto também pode seguir o mesmo caminho, caso a emenda não seja respeitada”.
Por causa da pandemia o Brasil elevou consideravelmente os gastos do setor público. Embora a crise tenha batido à porta de todos os países, o caso brasileiro guarda algumas particularidades. “A dívida bruta do setor público, que já estava muito elevada, aumentou ainda mais, e em percentual maior que a relação dívida/PIB de outros países emergentes. Infelizmente, o vírus não pergunta se o país está com uma situação fiscal boa”, explicou Werlang, que não vê problema na concessão do auxílio que ajudou milhões de pessoas que perderam seus empregos ou sua fonte de renda, mas entende ser necessário definir com clareza as regras para o teto.
O professor enxerga dois problemas cruciais no Brasil: a quantidade de pessoas em situação de vulnerabilidade, vivendo abaixo da linha de pobreza, e as altas taxas de trabalho informal. “A recuperação está se dando em V, e logo o emprego formal vai voltar. Mas enquanto isso não ocorre é fundamental socorrer os que precisam. Foram gastos necessários, mas em uma situação extraordinária, e espera-se que no ano que vem tudo se normalize”, pontuou Werlang.
Um fator positivo apontado por ele é ter a taxa de juros em 2% ao ano, o que amorteceu os impactos negativos da dívida pública. “Isso nos dá uma pequena folga, mas que é absolutamente transitória. Dependendo de como as coisas ficarem, pode ser que a taxa de juros volte a subir no segundo semestre de 2021. Certamente, o que garante que as coisas não saiam do controle é o teto de gastos”, disse o professor.
Aumento de arrecadação – Para Werlang, esse não é o melhor caminho, porque a nossa carga tributária, na faixa de 35% do PIB, já seria extremamente elevada para padrões de países emergentes, não sendo diferente quando comparando com países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE). “Não significa que não possa haver aumento de imposto, mas existe pouco espaço de manobra para isso, e ainda seria insuficiente para o que a gente precisa. Somente o teto de gastos está mantendo a estabilidade neste momento. O melhor seria que o teto jamais fosse atingido. Tem de agir cortando gasto. Não tem outro jeito”, advertiu.
Um complicador para a equação, segundo Werlang, é ter programas sociais muito dispersos e pouco eficientes. “Estamos em situação fiscal já apertada e descobrimos que ainda precisamos de mais R$ 20 a 30 bilhões por simples necessidade de cuidar dos mais vulneráveis. A saída do país tem sido sempre a mesma: de se endividar para ver o que acontece, mas já chegamos ao limite disso e não dá pra ver o que vai acontecer”.
Ao falar sobre a estabilidade da macroeconomia do país, Werlang insiste que isso só é razoavelmente possível devido à existência do teto de gastos. “Garante que em médio prazo teremos uma relação dívida/PIB sustentável. Mas se o orçamento sair desrespeitando o teto essa grande incerteza causará impactos muito palpáveis, como os que já temos observado”, disse o professor, referindo-se à variação do dólar para cima e às taxas de títulos pré-fixados, que têm sido negociados com juros mais caros da dívida brasileira, “porque as pessoas estão acreditando cada vez menos que o governo consiga manter a situação fiscal equilibrada”.
Esse cenário exige a máxima atenção, de acordo com o professor, pois pode ser um “caldo perfeito para voltarmos a uma espiral inflacionária, que só está sendo alimentado pela incerteza quanto ao orçamento. Todos querem saber se o governo está comprometido com um teto aceitável”. Para ele, a expectativa se dá porque, caso o governo não se comprometa firmemente, isso abrirá espaço para escalada dos juros de curto e longo prazo, e aumento da cotação do dólar.
“Não basta apenas dizer que o teto é importante, o mercado precisa ver ações práticas. E se, o orçamento for palatável para todos, vamos conseguir passar por este momento turbulento, pois mostrará que o governo está caminhando na melhor direção. Estamos em uma encruzilhada, mas as incertezas estão para se resolver”, disse Werlang, lembrando que, além do cenário interno, a confirmação da vitória de Biden nos EUA dirimiu algumas incertezas.
A lição de casa, contudo, é fundamental, segundo o economista Werlang. “Precisamos melhorar os programas sociais e redistribui-los de maneira mais eficiente, privatizar com celeridade diversas empresas estatais que consomem muitos recursos e fazer uma reforma administrativa para valer, não uma que vai ter impacto daqui a pouco tempo”, afirmou Werlang, que lembrou haver muito pouco espaço para aumento estrutural da carga tributária no Brasil. “Hoje o que está segurando a relação dívida/PIB é o teto de gastos”.
Werlang entende que as primeiras medidas importantes devem ser por meio do corte de despesas, não por aumento de imposto. “A sensatez econômica precisa voltar a ter voz. Os mercados estão ensaiando uma tentativa de volta à normalidade, o que depende do que vai ser decidido sobre o orçamento”, concluiu.
