Os resíduos têm valor e se deve incentivar a economia circular. Tema atual em destaque em encontro on-line - CIESP

Os resíduos têm valor e se deve incentivar a economia circular. Tema atual em destaque em encontro on-line

Solange Sólon Borges, Agência Indusnet Fiesp

Quando o tema é reciclagem ainda há muito a ser enfrentado, mas o certo é que há consenso que os resíduos têm valor. Esse foi o tema esmiuçado hoje (26/7) no encontro virtual da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), por meio de seu Conselho Superior de Meio Ambiente (Cosema), transmitido pelo YouTube da Fiesp.

Na abertura, Eduardo San Martin, à frente do Cosema, frisou a responsabilidade e o compromisso de todos os participantes do evento dedicados ao aprimoramento das legislações ambientais e à constituição de sociedades e organismos voltados à reciclagem de resíduos sólidos e à economia circular. “Não se pode impedir que os avanços aconteçam. Por isso, reunimos diversos representantes, neste debate, para se avançar com o tema em benefício da sociedade”, enfatizou, e acrescentou que “não reciclar significa jogar dinheiro no lixo. O resíduo tem valor e os acordos econômicos estão calcados em economia circular”.

A fim de contextualizar o tema, Anícia Pio, gerente do Departamento de Desenvolvimento Sustentável (DDS) da Federação, lembrou que a entidade acompanha o tema há tempos, desde a legislação estadual, de 2006, bem como a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), em 2010, e em audiências públicas e fóruns, debatendo e internalizando esses conceitos na indústria. Pio apresentou o tripé para que a reciclagem decole ainda mais: a segurança jurídica, a viabilidade técnica e econômica, e a cadeia de valor.

A segurança jurídica é necessária para que a matéria-prima possa ser processada: “Essa é questão básica. É preciso ter segurança jurídica para empreender”, pois há um ‘cipoal’ em termos de legislação (federal, estaduais e municipais). Outro ponto levantado se refere à viabilidade técnica, se ela existe ou não, e para quais produtos, considerando-se, inclusive, questões regionais, em um país continental, como é o Brasil.

Outra aba, não menos importante, é a cadeia de valor, pois há o princípio da responsabilidade compartilhada na PNRS, ponto defendido pela Fiesp, que abrange o arco desde o consumidor até o reciclador que irá reinserir o produto no sistema mais uma vez. O tripé é essencial para que a reciclagem efetivamente funcione. Pio lembrou a importância do Marco do Saneamento Básico (Lei n. 14026/2020), mais as questões tributárias envolvidas, que têm impacto quando o assunto é reciclagem de resíduos sólidos.

A viabilidade técnica, bem abrangente, engloba coleta seletiva, triagem e tratamento, mais a destinação adequada.“Há uma informalidade muito grande, ainda, em função de diversas questões, o que prejudica essa cadeia de valor. Em termos de cobertura, há mais de 90% de coleta de lixo; a coleta seletiva de resíduos sólidos é feita por 38% dos municípios [Fonte: Sistema Nacional de Informações de Saneamento/Snis, 2019], com a observação de Anícia Pio de que estes dados oficiais apontam para um retrato, mas, por exemplo, aqui na capital, nem todos os bairros são atendidos com coleta seletiva e a destinação inadequada ainda existe, os chamados ‘lixões’, que demandam esforços.

A triagem ainda é feita de maneira manual pelos catadores e se necessita evoluir para um sistema mecanizado, automatizado, lembrou a gerente do DDS. O tratamento, por sua vez, requer novas fábricas em função do conceito de economia circular, devido às suas demandas biológica/mecânica, química e térmica, e não se trata de um processo simples e muito menos barato.

Balanço nacional e global

Outro dado relevante apresentado se refere aos 40% dos resíduos gerados no âmbito residencial que ainda têm disposição inadequada, com quase 13 milhões de ton./ano jogadas a céu aberto (Fonte: Abrelpe, Panorama 2020). E como estão as unidades de processamento?, questionou a expositora. Não se conta com muitas informações, mas se sabe que há disparidades por região, sendo que elas são mais presentes no Sudeste. O que mais se recupera atualmente, segundo dados oferecidos pelos municípios é papel/papelão (37,7%), plásticos (24,3%), metais (12,1%), vidros (11,4%), e outros (14%).

Nos dois gráficos acima, é possível comparar os dados de resíduos sólidos no Brasil, com números do Snis e da Abrelpe. No abaixo, dados da União Europeia (UE).

 

Assim, pode-se visualizar que, em termos mundiais, recicla-se 13,5% do total e ainda 33% do ‘lixo’ são lançados a céu aberto e 25,2% em aterros (Fonte: Banco Mundial, 2020).

A situação da Logística Reversa no Brasil pode ser dimensionada com 94% das embalagens de defensivos agrícolas recolhidos pelo próprio setor em um sistema vertical; 74% das baterias, objeto de muito valor, mais de 342 toneladas de resíduos eletrônicos, e 47% do total das latas de aço consumidas no país são recicladas, cerca de 200 mil toneladas (Fonte: Abeaço, 2019), mais 95% das embalagens de óleos lubrificantes.

O Brasil é, disparado, o país campeão mundial na reciclagem de latinhas de alumínio, conforme enfatizou Anícia Pio, e reciclou 55% das embalagens, em 2019, ou 311 toneladas, só ‘perdemos’ para a Alemanha, informou, com 496 toneladas. Quanto ao vidro, reciclamos 46% das embalagens à base desse material, ou 390 mil ton./ano, e quase 67% do papel, o que faz do país um dos maiores recicladores mundiais também. Portanto, o Brasil conta com índices significativos no panorama global.

Na análise de Pio, a ‘grande encrenca’ se dá nas embalagens que há em nossas casas, presente em todos os produtos consumidos, e que envolve uma questão cultural, além de afetar as cadeias de valor e de reciclagem, que são as mais diversas.

 

Instituto Rever 

A gerente do DDS também apresentou à audiência do encontro virtual o Instituto Rever. Trata-se de um Sistema de Logística Reversa de Embalagens, criado de modo pioneiro pela indústria, sem fins lucrativos, com associações e sindicatos parceiros e operadores a fim de garantir segurança jurídica e rastreabilidade do certificado e, assim, também cumprir as determinações legais, não somente em São Paulo, mas em todo o país, já com termos de compromisso com o Rio Grande do Sul, Amazonas e Mato Grosso do Sul, por exemplo, e que será lançado oficialmente em breve.

“Nossos certificados de reciclagem já recolocaram no mercado, na cadeia produtiva, algo em torno de 223 mil toneladas de embalagens feitas de papel, plástico, vidro e metal”, contabilizou Anícia Pio. Os certificados são adquiridos, comprovando-se que se cumpriu a Logística Reversa. E avisou: o reciclador, o catador é empreendedor, merece respeito e dignidade. Ele é um elo fundamental dessa cadeia e precisa se capacitar para poder reinvestir no sistema”, ao defender a formalidade.

Acesse neste link a apresentação de Anícia Pio

Fotos: Karim Kahn/Fiesp

Avanços necessários

Para outro dos debatedores, André Vilhena, integrante do Cosema, ainda há dificuldades a serem superadas, mas muito se avançou. Nesse sentido, ele fez uma análise da evolução do conceito – desde o Clube de Roma, em 1972, que apontou os limites do crescimento, até a Rio 92 com foco no desenvolvimento sustentável – desembocando na atualidade da Logística Reversa e da economia circular e fez um comparativo sobre a forma como os países tratam do tema diante das particularidades existentes para cada um deles.

Na visão de Vilhena, a PNRS abriu caminho para a inovação em economia circular, mas ainda é preciso estimular as grandes empresas de conteúdo de embalagens recicláveis, pois, conforme essas empresas avançam, haverá sustentabilidade em toda a cadeia e deve-se pensar fortemente no pós-consumo.

Porém, o grande vilão continua sendo a incidência do ICMS e, como há muita movimentação interestadual, é preciso reequacionar a questão, com a desoneração setorial e maior formalização, além de maior adesão de público à reciclagem, apontou o expositor. Além disso, um preço competitivo incentivaria a inovação. Vilhena tratou dos principais desafios estratégicos e, por fim, solicitou maior participação do governo nesse pacto.

Acesse neste link a apresentação de André Vilhena

Em outro momento do debate, Tiago Latorre Noronha, CEO da Ecofabril, compartilhou as dificuldades práticas no âmbito empresarial e os entraves na cadeia, sinalizando algumas ideias e sugestões. Baseada em Jundiaí, interior de São Paulo, a Ecofabril foi uma das primeiras a fazer reciclagem focada no segmento têxtil, reciclando embalagens pet para sua utilização nesse campo.

Entre os desafios para o desenvolvimento da cadeia de reciclagem do PET, Noronha apontou a organização da cadeia a fim de garantir o suprimento do volume de forma estável, com qualidade e custos que sejam competitivos, além, ainda, da regularização fiscal e jurídica das entradas da matéria-prima, em função da capilaridade existente na cadeia, que se somaria à competitividade frente a produtos importados.

Outro ponto abordado por ele se refere à necessidade de aperfeiçoamento dos certificados de reciclagem, como certificados diferenciados por tipo de plástico, mais a dificuldade de emissão, e informalidade da cadeia. A este ponto se acrescentam outras observações: tornar a embalagem mais facilmente reciclável do ponto de vista industrial, como ser transparente e sem cor, e se evitar rótulos termo-encolhíveis de PET ou PVC mais a impressão direta sobre o corpo da garrafa.

Acesse aqui a apresentação de Tiago Noronha, da Ecofabril

Já Paulo de Tarso Petroni, diretor geral da Cervbrasil e Grupo Petrópolis, frisa a importância da mudança cultural, ponto já abordado por outros expositores. A inovação também é fundamental para se encontrar soluções regionais. Ele tratou de aspectos do setor cervejeiro brasileiro e sua agenda setorial, bem como o que se realiza em termos de economia circular. Constata-se uma geração de valor da ordem de R$ 150 bilhões, com um milhão de pontos de venda, responsável por 2,7 milhões de empregos e respondendo por 2,6% do PIB.

Uma cadeia complexa que conta de microcervejarias a cervejarias, e um leque de distribuição com distribuidoras próprias, contratadas, autoserviço, atacadistas, padarias e bares, além de restaurantes, casas noturnas e o universo de eventos, prejudicados em função da pandemia de Covid-19.

“A informalidade existe e é muito grande, e é preciso ajustar isso. Não há nenhum país do mundo que agregue 3 milhões de pessoas que vivam do negócio cerveja, desde o setor agrário até o consumo”, do campo ao copo, como brincou. Como agenda para 2021, Petroni apresentou a necessidade de simplificação tributária e regulatória, federal e também estadual, e a InoCerv – ecossistema de inovação setorial, entre outros itens, e projetos em andamento.

Fábio Nieves, advogado e integrante do Conselho Superior de Meio Ambiente da Fiesp, abordou os obstáculos à reciclagem sob a ótica da questão tributária, ao avaliar as funções do tributo – o Poder Público arrecada a fim de custear as atividades do Estado e promover políticas públicas –, o tratamento tributário diferenciado, os tributos indiretos e as propostas legislativas em sua pauta para o debate.

No tratamento tributário diferenciado, Nieves observou que é dever a preservação do meio ambiente e se referiu aos Artigos n. 225 e n. 170 à luz da Constituição Federal. “Material virgem é uma coisa e reciclado é outra”, explicou. “Portanto, é desigualar. Não é inconstitucional privilegiar o material reciclado, isso é premissa que está garantida na Constituição”, avaliou.

O tributo é um custo, uma despesa para as empresas, e isso pode implicar na viabilidade ou inviabilidade de um determinado sistema. Por isso, abordou os tributos indiretos federais (IPI, PIS/Cofins) e  estadual (ICMS), que custam para a cadeia aproximadamente R$ 2,6 bilhões. Ele tratou, ainda, das formas de apuração: pelo regime cumulativo (Lucro Presumido) e regime não cumulativo (Lucro Real). A regra é a mesma para a matéria-prima reciclada e para a virgem, porém a tributação é maior sobre a reciclada, conforme explicou.

Por fim, tratou do avanço da jurisprudência sobre o tema, como o fato de o Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecer o direito ao crédito de PIS/Cofins sobre a matéria-prima reciclável (Tema n. 304) e o Convênio Confaz n. 07/2013, que aborda a redução da carga tributária. Ele lembrou, no entanto, que em São Paulo não há essa regra e o que vale é o diferimento. “O adequado seria usar o Confaz e usar a diferenciação de tributação garantida por lei. Também deveria se adequar a tributação para o material reciclado frente ao material virgem”, concluiu.

Outro problema identificado diz respeito à necessidade de notas fiscais com valores do produto para o transporte de resíduos, o que não é possível, pois os resíduos não são adquiridos, mas recolhidos depois de descartados sem valor de mercado, segundo elucidou Nieves. Como as empresas que os recolhem não possuem nota fiscal, que identifique seu valor, seria necessário adotar um documento fiscal simplificado próprio para o transporte de resíduos que os identifiquem como carga sem valor de mercado definido, de acordo com a sugestão de Nieves.

Por fim, ao olhar para o futuro, Fábio Nieves trouxe os projetos em debate sobre tributação, com foco em resíduos sólidos, tais como a Proposta de Emenda à Constituição (PEC n. 102/19) e PL n. 3887/2020.

E veja aqui a apresentação de Fábio Nieves

Para assistir na íntegra, no YouTube, clique aqui.