Economista debate ritmos distintos da recuperação mundial, mas diverso do cenário pré-pandêmico - CIESP

Economista debate ritmos distintos da recuperação mundial, mas diverso do cenário pré-pandêmico

Solange Sólon Borges, Agência Indusnet Fiesp

O cenário econômico mundial, na visão de Mário Mesquita, economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco,  foi impactado pela pandemia, não só no Brasil, mas a nível global. O especialista integrou encontro on-line realizado na segunda-feira (14/6), do Conselho Superior de Economia (Cosec) da Fiesp.

Em sua avaliação, essa segunda onda da Covid-19 tem sido mais rápida e intensa do que a primeira, mas já recua, em função também da vacinação da população, que se acelera cada vez mais. Em países maduros e nos emergentes, a vacinação também se iniciou devagar, depois avançou.

O Brasil tem um cenário um pouco melhor do que a média mundial. Entre os países mais populosos – Estados Unidos e Reino Unido – há quadros distintos. O Chile tem percentual até maior de vacinados do que o Reino Unido, mas neste a eficácia demonstrada tem sido maior, com a queda de internações e mortes e segue em direção à normalização. O Chile, no entanto, precisou dar um passo atrás e retomou o lockdown. Por outro lado, alguns países da Europa – com taxa no patamar de 20% de vacinados – já ‘abrem’ suas economias.

Assim, após uma queda rápida da atividade, espera-se uma volta expressiva, mas distinta da pré-pandemia, com atividade mais voltada ao consumo de bens, e mais intensa para a indústria do que para serviços, o que ocasiona pressão sobre os preços de commodities, agrícolas mais fortemente, por exemplo, em relação aos padrões históricos registrados. Por outro lado, a inflação pesa mais para os produtos industriais – veículos, em termos globais – do que em serviços.

Na avaliação do especialista, os preços se estabilizam em níveis mais positivos para as economias emergentes: “a gente não vê aqueles superciclos econômicos que estavam mais associados ao crescimento chinês”. Em termos de atividade, na avaliação do expositor, a China já voltou ao patamar pré-pandemia, os Estados Unidos farão isso agora no 3º trimestre, e a Europa no início do ano que vem.

Os EUA carregam uma peculiaridade com os fortes incentivos feitos – quase 20% do PIB – uma estratégia, um estímulo essencial à economia e, por isto, deve retomar o cenário pré-pandemia no próximo trimestre, mas há sinais de que estejam super estimulando a economia. E, também, de inflação e elevação dos juros, relativamente estáveis nos últimos dez anos, que saiu do patamar de 0,9% e foi alavancado para 1,7%, e se trata do principal ativo financeiro global. Um ponto de atenção.

A política monetária dos EUA deverá ter implicações globais, pois quando elevam seu juro, há impacto nos emergentes. O Federal Reserve System (FED), o correspondente Banco Central norte-americano, tem reunião ainda nesta semana e o tema pode estar em pauta, bem como a redução da compra de ativos, uma sinalização para o final do ano e implementação em 2022, evitando nervosismo desnecessário no mercado. Alguns países já têm antecipado essa tendência e igualmente sobem seus juros, emergentes como o Brasil, Chile, México e Colômbia, e mais a Rússia. A Noruega também segue nesse sentido.

Mário Mesquita acredita numa retomada mundial da economia, mas que não se igualará ao cenário pré-pandêmico. Fotos: Karim Kahn/Fiesp

Nos EUA, o consumo migra de serviços para bens, demonstrando a recuperação industrial: queda de US$ 720 bilhões em serviços, e alta de US$ 400 bilhões em consumo de bens, e o resto sendo poupado, o que tem levado a uma pressão inflacionária.

Espera-se um crescimento expressivo em função da política adotada pelos EUA, e a zona do Euro será mais atrativa no segundo semestre. A China também poderá se beneficiar, mas voltará à sua tendência usual.

Ele acrescentou que, na Europa, houve impacto mais intenso nos países com menor crescimento, e que é dependente do turismo. Outro ponto é a disparidade regional quanto ao desemprego, pois o emprego na União Europeia tem mobilidade menor do que nos EUA. O Brasil fica no meio do caminho entre a disparidade da Europa e dos EUA, avaliou, afirmando ser mais otimista com a recuperação europeia.

A China, os EUA, e agora a Europa, recuperam-se mais positivamente da onda da Covid-19. Na China, a retirada de estímulo continua de forma gradual, a fim de reduzir a chance de uma aceleração excessiva da atividade econômica e lá serviços são mais fortes do que indústria, que guarda relação estreita com o aquecido setor da construção. Outros fatores são o uso intenso da tecnologia e lockdowns regionais intensos que foram adotados. O país asiático deve caminhar para a faixa de 5% de crescimento do PIB, sem superciclo, segundo avaliou.

No Brasil, apesar dos dados precários, avaliou Mesquita, a oferta global de imunizantes aumentará bastante e será ainda mais forte no ano que vem. Para ele, o problema será a locação para os diversos países.

América Latina

Nesse cenário, o aspecto negativo está ancorado na dificuldade regional: com exceção do Chile e do Uruguai, as outras grandes economias da região vacinaram menos do que o Brasil. Os países que têm vacinação mais rápida ficam mais próximos do Produto Interno Bruto (PIB) esperado e, inversamente, quem é mais lento vai terminar mais longe dele, segundo pontuou.

Na América Latina há várias recessões em curso e, no Brasil, ela foi uma das piores, conforme o economista. Com exceção do Chile, Paraguai e Brasil estiveram acima da ‘linha d’água’ e os outros abaixo, com certa retomada ainda no segundo semestre do passado. Já a Argentina tem outra perspectiva, pois carrega três anos seguidos de recessão. Para ele, é pouco provável que o PIB latino-americano alcance a tendência pré-covid.

“A economia do Brasil deveria crescer 7%, mas isso não irá acontecer”, alertou. A política monetária foi usada fortemente, pela maioria dos países, para mitigar os efeitos e a evolução da taxa de câmbio reflete divergência entre eles. Quem mais se beneficiou do aumento dos estímulos fiscais?, questionou. Paraguai, Chile e Brasil. Vários países tiveram pioras fiscais, mas conseguiram um crescimento minimamente positico, como o Brasil.

A relação dívida versus PIB deve ter alívio pontual em 2021 e, em 2022, as economias da região voltam às suas tendências, segundo a expectativa dos números apresentados pelo economista-chefe do banco

“É preciso modelar os impactos na economia. Não há severidade do surto sem grande impacto, mas não pode ter outra cepa para não acarretar mudança nesse cenário”, conclui o economista-chefe do Itaú Unibanco.

Mário Mesquita é doutor em Economia pela Universidade de Oxford, foi diretor de Política Econômica do Banco Central do Brasil (BC), economista-chefe do ABN AMRO para o Brasil e América Latina e diretor de economia da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), também atuou no Fundo Monetário Internacional (FMI).