Dois temas em pauta para o agronegócio brasileiro: Reforma Tributária e sustentabilidade sob a ótica da União Europeia
- Atualizado emSolange Sólon Borges, Agência Indusnet Fiesp
Para resolver emergencialmente a questão tributária no país, pode-se pensar em uma reforma infraconstitucional. A opinião foi expressa por Heleno Taveira Torres, integrante do Conselho Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos (Conjur) da Fiesp que participou, nesta terça-feira (10/11) do Conselho Superior de Agronegócio (Cosag) da casa.
Na abertura da sua exposição, frisou que não se deve olhar o tema apenas pelo seu caráter tributário, mas especialmente como política internacional estratégica sobre alimentos na cadeia mundial de consumo e produção. Torres criticou o fato de, nos últimos anos, perceber-se o oposto dessa expectativa: “não há a construção de um modelo de tributação adequado e coerente com as necessidades e demandas do agronegócio brasileiro, o que se dá também pela falta de coordenação de um modelo proposto pela União em relação aos Estados e municípios, e citou o Imposto Territorial Rural (ITR) como exemplo desse desencontro.
A partir do momento que a União transfere aos municípios 100% da arrecadação do ITR, estes passam a definir a base de cálculo desse imposto até mesmo por atos administrativos ao seu bel-prazer, usando métricas e tratamentos diferenciados, o que pode levar a tipos diferentes de incidências tributárias. Essa é uma preocupação que emerge de toda essa discussão”, alertou.
No âmbito internacional, a preocupação se refere ao ingresso do Brasil na Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), mas o país compete com muitas dificuldades, alertou o jurista, com a assimetria de nossos produtos frente à Austrália e aos Estados Unidos, “porque a cadeia de circulação, do escoamento da produção, tem um custo adicional muito grande de transporte, de seguros, de logística, mais o Custo Brasil. Precisamos de um sistema tributário que possa convergir para uma reforma coerente não só para a tributação do consumo, mas tributação no sentido global. Uma reforma ampla, mas infraconstitucional, que é onde estão os grandes problemas que afligem o agronegócio”, avaliou, e assim caminhar para a segurança jurídica e construção de soluções para o desenvolvimento. A reforma não pode ser somente arrecadatória, mas sim atentar para os problemas reais das empresas, ainda alertou Heleno Torres, mais o fato de o ingresso do Brasil na OCDE implicar em aderência aos métodos da Organização e respectiva conformidade.
Outro exemplo dado referiu-se à legislação voltada aos biocombustíveis, com destaque para o Renovabio, com a novidade do certificado de retirada de Co2 da atmosfera (CBios). “Trata-se de uma moeda no mercado de créditos de descarbonização. A construção é perfeita, mas e a cadeia tributária? Criou-se, com o artigo 60 da MP do Agro, alíquota de 15% sobre o CBios. A lei não diz qual é base de cálculo, em qual momento incide, se é dedutível para quem compra, ou seja, os contribuintes de toda a cadeia estão em uma insegurança jurídica latente e contínua que desencadeará certamente uma sucessão de fiscalizações e autuações no futuro”, criticou. Essa insegurança inibirá a sua circulação. “São questões estratégicas que parecem isoladas, cosméticas, mas não são. O mundo fez uma reforma tributária emergencial ao longo do ano e nós ficamos com a mesma legislação. Por isso, é preciso atuar na infraconstitucional”, justificou o expositor.
Quanto às Propostas de Emendas Constitucionais, PECs 45 e 110, em tramitação no Congresso Nacional, Heleno Torres frisou que o agro é sazonal e exige tratamento diferenciado. “Não é acabar com os benefícios fiscais, mas equacioná-las”, enfatizou, “não temos dúvida que o ICMS virou um monstro e prejudica o produtor”. E, ainda, citou a Substituição Tributária (ST), que perdeu seu sentido, válido quando existia guerra fiscal.
Em sua conclusão, o especialista lembrou que o momento é de fortalecer o agronegócio, mas o sistema tributário traz a possibilidade de destrui-lo, assim como impediu sua evolução em outros momentos. Por isso, sugeriu reformas mais simples, pequenas modificações por meio de leis ordinárias.
O presidente do Cosag, Jacyr Costa Filho, concorda que o Brasil terá o desafio de enfrentar o ajuste fiscal nos próximos anos e que a sugestão de reformas mais simples, também simplificaria a vida do contribuinte, mas depende do Congresso Nacional no processo.

“Nós desejamos ou não ter uma Reforma Tributária? Se desejamos, precisamos construir consensos e convergências”, rebateu o deputado federal Alceu Moreira, presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA). Para ele, a Reforma Tributária para em pé, tem lógica, e ela não impede a realização das reformas infraconstitucionais, mas é necessária para não se ficar um ‘remendo’ por anos. “Há mais de três décadas se trata da Reforma Tributária e podem ser votadas as PECs 45 e 110, uma solução possível para simplificar o processo, e “acabar com a informalidade aumenta a base arrecadatória”, confirmou.
Moreira defendeu que deve ser entregue uma Reforma qualificada e com segurança jurídica à sociedade. Na sequência, deve-se embarcar na Reforma Administrativa “porque é na redução do tamanho do Estado que há a previsibilidade fiscal”, concluiu.
Helcio Honda, vice-presidente do Conjur da Fiesp, opinou que é preciso ter reforma para simplificar, não para complicar, e não há cabimento ter aumento de carga tributária neste momento, por isso a Fiesp entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra o aumento da tributação do ICMS, segundo informou, e acredita que já se poderia trabalhar na unificação do ICMS com suas 27 legislações. “A crítica que temos são os dez anos de transição, um prazo muito longo, pois teríamos todos os tributos ativos e mais um, o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS) com a PEC 45, alertou Honda.
União Europeia dá ênfase à sustentabilidade e à Mudança Climática
Um segundo e importante tema foi abordado na reunião do Cosag: a atualização das discussões sobre sustentabilidade na União Europeia e seus efeitos no agronegócio brasileiro a cargo de Marcos Bezerra Abott Galvão, embaixador do Brasil junto à UE.
De acordo com números apresentados pelo embaixador, a UE tem metade da extensão territorial do Brasil, um PIB da ordem de US$ 16 trilhões, oito vezes maior do que o nosso, e renda per capita 4 vezes maior. É a maior potência comercial do mundo, 2ª maior exportadora depois da China, e 2ª importadora após os Estados Unidos.
A UE absorveu 13,8% de nossas exportações [janeiro a outubro de 2020. Fonte: Ministério do Comércio], e respondeu por 17,4% das nossas importações. A UE é a 2ª maior importadora de produtos agroalimentares do mundo e, desde 2013, a maior exportadora de produtos agroalimentares. E essas exportações continuaram a crescem no primeiro semestre deste ano na ordem de pouco menos de 3%, mesmo diante da pandemia de Covid-19.
O Brasil consta como o maior fornecedor de agroalimentares para a UE, posição que alterna com os EUA, e responde por cerca de 10,5% do que a UE importa, absorvendo 16% das nossas produções agrícolas, sendo 67% de frutas, 66% de sucos, e 49% do café [janeiro a setembro de 2020]. A UE continua a ser a maior fonte de investimentos diretos estrangeiros no Brasil, com estoque acumulado estimado em US$ 340 bilhões e o País é o 3º destino dos investimentos, lideranças assumidas pelos EUA e Suíça.
A pandemia do novo coronavírus igualmente assolou a União Europeia com 12,6 milhões de casos e 299.750 mortes, enfrentando agora uma segunda onda – o que pode causar novos reflexos – e impondo mais uma vez medidas restritivas. Com esse cenário, a previsão é de contração de 7,4% do PIB da UE, em 2020, retomada de 4,1% em 2021 e 3% em 2022. Segundo o embaixador, os números demonstram que a zona do Euro perdeu em dois trimestres o que levou quinze anos para crescer. Outro reflexo esperado diz respeito aos postos de trabalho: o desemprego, que em fevereiro estava em 6,5%, deve subir para 7,75%, no final deste ano, e para 8,6%, em 2021.

O embaixador Galvão lembrou as medidas adotadas em função da pandemia: pacote robusto de 750 bilhões de euros e suspensão dos limites fiscais, pela primeira vez em sua história. A dívida pública também deve crescer dos 86% do PIB total, em 2019, para 102% em 2020.
“Nesse contento, o meio ambiente e o clima continuam a ser prioridades para a União Europeia? Sim, embora com alguma mudança, com a situação econômica sendo a preocupação número um”, questionou e respondeu o próprio embaixador. Pesquisa apresentada por ele indicam outros fortes fatores, como o apoio aos agricultores, a preocupação com energias renováveis e o combate à poluição dos plásticos. “Em meio à pandemia, houve o encurtamento das cadeias de produção e abastecimento, com autossuficiência e preferência dada aos produtores locais. Esse foi um dos ensinamentos da pandemia e não houve desabastecimento, o comércio de alimentos funcionou bem durante a crise”, avaliou.
Um dado-chave: 93% dos europeus consideram a mudança do clima um problema grave; 79% um problema muito grave. Na análise do diplomata, há uma força política com expressiva ascensão e que merece atenção: no Parlamento Europeu, os verdes passaram a ser o 4º maior agrupamento no ano passado, com aumento de 40% em sua bancada, e a Comissão de Meio Ambiente do Parlamento Europeu é a maior de todas, o que demonstra a força que têm para eventuais coalizações, mais o fato de a França ter sido varrida por uma onda verde nas suas eleições municipais. “Essa é a realidade objetiva na Europa”, enfatizou Galvão, por isso é preciso reconhecer a UE como potência regulatória, exportadora de tendências e padrões de conduta, standards e políticas públicas.
Outro tema enfatizado pelo expositor se refere à nova Comissão Europeia, tem como programa de governo o Compromisso Verde, ampla plataforma com adoção de estratégias a fim de alcançar a sustentabilidade e a neutralidade climática, o que engloba, em seus eixos também, o desenvolvimento econômico e científico, transportes, geração de energia, agricultura e até construção civil.
A Comissão Europeia deverá propor, provavelmente em junho de 2021, medida legislativa com o objetivo de combater o desmatamento importado e as commodities potencialmente mais afetadas seriam soja, carne, couro, cacau, café, milho, madeira e borracha. Entre as medidas regulatórias que estão sendo propostas, encontram-se rotulagem obrigatória, compromissos em rotulagem voluntária, esquemas e métodos de verificação de pegada de carbono.
No último dia 22, o Parlamento Europeu aprovou recomendação quanto ao tema desmatamento, com ênfase em mecanismo obrigatório de diligência devida aplicável a operadores econômicos, sejam eles importadores ou o setor financeiro, considerando o que é desmatamento ilegal e legal, o que afetará pequenas e grandes empresas. Também estão revisando diretrizes e critérios a serem atendidos quanto à soja, aprimorando seus requisitos de produção sustentável, segundo informou o expositor.
“Está sendo discutido, na Europa, um mecanismo de ajuste de carbono na fronteira, que deve ser proposto até junho, com regras compatíveis com a Organização Mundial do Comércio (OMC), que reequilibre o tabuleiro na produção industrial, que pode assumir a forma de tarifas ou não. Em um primeiro momento, recairia sobre a importação de aço, cimento e eletricidade, e seria estendido a alumínio, fertilizantes e químicos. A consulta pública sobre o tema já foi encerrada e o Brasil já fez sua manifestação”, segundo informou Galvão aos participantes do debate promovido pelo Cosag.

Mudança do Clima e União Europeia
Os líderes da UE endossaram, em 2019, a neutralidade climática até 2050, com exceção da Polônia, muito dependente do carvão, e a Comissão Europeia quer consagrar formalmente esse objetivo. Para isso, em setembro, publicou um plano de elevação da meta de redução de emissões da União Europeia para 2030 (em relação a 1990), de 40% para pelo menos 55%, mas o Parlamento pressiona para que se alcance os 60%. Seu cumprimento exigirá investimentos adicionais anuais de 350 bilhões de euros até 2030, o que deve exercer pressão em terceiros para que reforcem também as suas metas domésticas.
Até junho de 2021, a Comissão Europeia deverá apresentar uma serie de propostas administrativas na área de clima e energia, outro ponto de atenção trazido pelo embaixador Marcos Bezerra Abott Galvão. “Mas a própria UE faz a autocrítica que ela é mais eficaz em estabelecer metas do que cumpri-las”, revelou, e exemplo disso são os 400 mil hectares de áreas de vegetação em áreas protegidas queimados na UE, acima da média dos anos anteriores, sendo que a Alemanha registrou aumento de 518% nos incêndios florestais.
Por fim, o embaixador Galvão também comentou que o resultado da eleição presidencial dos Estados Unidos, recebido com alívio pela União Europeia, mas que ela persistirá na busca de uma autonomia estratégica, sem seguir a ‘política dos mais fortes’. Assim, deve ocorrer uma forte inflexão na diplomacia da política ambiental dos Estados Unidos, com repercussões também para o Brasil. O embaixador concluiu que “o debate sobre sustentabilidade e meio ambiente na Comunidade Europeia veio para ficar, não há como negar. Esse compromisso verde traz preocupações para todos nós”. Por isso, deve-se ter atenção quanto à diplomacia em função do Acordo Mercosul-União Europeia em curso.