Direitos trabalhistas nos EUA são tema para especialista que fez análise comparada com o Brasil - CIESP

Direitos trabalhistas nos EUA são tema para especialista que fez análise comparada com o Brasil

Alex de Souza, Agência Indusnet Fiesp

Ao contrário do que muita gente imagina no Brasil, os trabalhadores dos EUA têm sim (muitos) direitos, como apontou, durante reunião do Conselho Superior de Relações do Trabalho (Cort) da Fiesp, João Renda Leal Fernandes, autor do livro O mito EUA: um país sem direitos trabalhistas? Realizado por videoconferência nesta terça-feira (2/2), o encontro teve a mediação da presidente do Conselho, Maria Cristina Mattioli.

Fernandes explica que há diferença entre a organização das leis no Brasil e nos EUA, o que impossibilita comparações e cria a percepção de que não há leis trabalhistas naquele país. “Existem sim, tanto direitos individuais quanto os coletivos. Mas os nossos sistemas federativos percorreram vias opostas. Os Estados Unidos surgiram a partir de 13 colônias independentes, que depois se agregaram em torno de uma federação que manteve maior autonomia e poderes nos entes federativos estaduais”, disse Fernandes, mestre em Direito do Trabalho e Direito Previdenciário pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e pesquisador visitante na Harvard Law School.

Com isso, diferentemente do Brasil, onde há desde o início um Estado unitário, centralizador de poder e com leis federais que abrangem todos os estados brasileiros, nos EUA essa descentralização fez com que surgissem leis estaduais. “Quando se fala em competência legislativa em matéria trabalhista, deve-se lembrar que nos Estados Unidos existe a federação por agregação e apenas dois entes federativos: a União e os Estados. Por essa razão existem variações de leis de um estado para outro, incluindo os processos do Direito do Trabalho”, sintetizou.

Ao recapitular eventos da história dos EUA, o autor também explanou as questões trabalhistas durante o período da escravidão, e disse que a legislação moderna surgiu no final do século XIX, por meio de leis estaduais que limitaram jornadas, criaram salários-mínimos e buscaram proteger o sexo feminino e vedar o trabalho infantil. “Nesse período o entendimento era de que a União não poderia legislar questões do trabalho”, apontou.

Depois da crise de 1929, os Estados Unidos passaram a ter uma visão mais liberal, quando surgiram as duas principais leis trabalhistas norte-americanas: a National Labor Relations Act (NLRA) e a Fair Labor Standards Act (FLSA), que versam sobre direitos coletivos e individuais. Contudo, até hoje os trabalhadores rurais e domésticos são tratados de modo discriminatório nas leis americanas, segundo Fernandes. “Agora o novo governo quer rever essa questão e ampliar os direitos para essas categorias. Por outro lado, entretanto, a Suprema Corte tem a sua composição mais conservadora nos últimos 90 anos, o que chama atenção para as questões trabalhistas”, disse.

Para João Renda Leal Fernandes, o modelo americano nos últimos 40 anos se mostrou visivelmente limitado na promoção de empregos de qualidade, justiça social e igualdade. Foto: Karim Kahn/Fiesp

Nos EUA, onde o salário-mínimo é de US$ 7,25 por hora, com módulo semanal de 40 horas, em alguns estados as horas extraordinárias são pagas em uma vez e meia “e os danos líquidos foram interpretados como irrenunciáveis, existindo proibição de compensação de jornada, o banco de horas, no setor privado”, explicou o João Renda, lembrando que nos direitos individuais os estados têm liberdade maior. “Na Califórnia, por exemplo, existe pagamento de uma vez e meia das horas trabalhadas além da oitava diária ou da quadragésima semanal”, esclareceu o expositor.

Obviamente, como em todos os países, há situações que devem ser debatidas ou revistas. “Inexiste previsão de férias remuneradas em lei federal, bem como afastamentos remunerados por motivo de doença ou licença-maternidade. E isso não é motivo de orgulho para eles, mas alvo de críticas dentro dos próprios Estados Unidos”, afirmou Fernandes.

Sobre o momento atual, Renda entende que o modelo americano nos últimos 40 anos se mostrou visivelmente limitado na promoção de empregos de qualidade, justiça social e igualdade: “E isso tudo agravou a situação da pandemia, somado à inexistência de um sistema universal de saúde, o que faz com que um trabalhador nos Estados Unidos perca o vínculo de emprego quando incapacitado para o trabalho”.

Segundo o especialista, diante de uma doença com poder devastador, como a Covid-19, para que o sujeito continue recebendo o salário, ele precisa continuar trabalhando. “Não há incentivos para se afastar do trabalho, e ao mesmo tempo o sistema permite que os empregadores dispensem em massa seus trabalhadores, sem maiores obrigações, o que trouxe uma verdadeira corrida ao programa de seguro-desemprego”, finalizou.